Um grito de socorro
Uma sensação estranha tem me rondado ultimamente. Uma espécie de obrigação de celebração diária da vida, afinal o Estado genocida ainda não me encontrou diretamente, embora atinja e afronte toda a comunidade negra diariamente. Como celebrar uma vida negra em meio a tantas tragédias?
Vivenciar a masculinidade negra é, de fato, um desafio e tanto. Não nos é permitido representação em espaços de poder. Encontramos nossos semelhantes em páginas policiais e nos necrotérios. Somos o povo considerado perigoso, comparados ao instinto animal que exalando virilidade (estupradores em potencial?) desde o tempo da escravidão precisa ser policiado. A licença para matar foi declarada à carne mais barata do mercado, afinal, como declarou o filósofo negro Frantz Fanon(1) (1958), o homem negro no imaginário ocidental, não é um homem, antes ele é um negro.
Cada expressão negra que sai de suas casas, por si só, há no mínimo 500 anos, pratica resistência. A grande dúvida é se voltaremos a salvo. Caso contrário, fica a inquietação se a mídia lançaria uma nota como “Efeito colateral da guerra ao tráfico”. Arrisco dizer que o genocídio negro no Brasil tem ceifado vidas tanto quanto países em guerra. O peito sangra, mas jamais calará nossas vozes.
Mas retornando o questionamento inicial: “como celebrar uma vida negra em meio a tantas tragédias?” – Nunca há momento para tal feito. Vivemos em luto de prazo indefinido a cada corpo preto que cai ao chão. Hoje, minha forma de viver a masculinidade negra, é resistir e esperar que eu e meus irmãos de cor não sejamos mais alvos ou desculpas do Estado e da sociedade racista.
Hoje, eu rezo por Wilton Esteves Domingos Júnior, Roberto de Souza Penha, Cleiton Corrêa de Souza, Wesley Castro e Carlos Eduardo da Silva Souza e tantos outros que foram privados de resistir. Resiliência e Ubuntu para todos nós.
(1) Frantz Fanon (1925-1961): Psiquiatra, filósofo e ensaísta francês da Martinica, de ascendência francesa e africana. Fortemente envolvido na luta pela independência da Argélia, foi também um influente pensador do século XX sobre os temas da descolonização e da psicopatologia da colonização.
Patrick, é realmente difícil forjar a felicidade e celebrar a vida quando se tem consciência do sofrimento que as minorias sofrem nesse país. Eu jamais vou entender o que você sente, pois sou pardo de pele clara e nunca sofri racismo, mas pelo que imagino já fico revoltado. Parabéns pela resistência.