Entre prisões surge Zumbi
O desafio de escrever meu primeiro texto em um projeto tão pioneiro e empoderador, me enche de orgulho e, ao mesmo tempo, arrepios. Expressar em palavras minha recente vivência masculina e preta, há pouco tempo me parecia distante e inexplorada.
Tenho experimentado com receio as demandas da masculinidade negra, o pavor que causamos e a sensação de não pertencimento. A mesma sensação de não pertencimento que perdurou por anos, enquanto uma lésbica negra masculina, que não era ouvida ou sequer lembrada. O mundo é cruel para as mulheres pretas. O mundo é cruel para os homens pretos. Transicionar, foi experimentar os níveis de cerceamento e policiamento do corpo negro. De cis(1) para trans(2), do objeto de desejo para ameaça. Hoje, sou cobrado por não vivenciar de forma apropriada a negritude masculina, viril, “avantajada” e dominadora.
Um episódio recente em uma loja de roupas, onde fui quase escoltado para fora por ser “suspeito”, leia-se preto, foi como um despertar para as questões de negritude. Me peguei divagando sobre como a nossa pele, nosso cartão de visita, nos estigmatiza, nos deixa a margem. Me dei conta, depois de muito me questionar, que eu era um corpo perigoso que precisava ser policiado.
Minha luta é pelo direito de existir. Pelo direito ao meu corpo, a minha pele, a minha cor. Minha luta é contra o cistema(3) racista que ainda insiste em me aprisionar enquanto homem negro, e a me estudar enquanto homem trans.
Prazer. Sou um corpo negro, trans, vivo, que resiste e se empodera com o coletivo e com estas escrevivências. E viva Zumbi!!! Que sobrevive em cada corpo preto que quebra as correntes diariamente.
(1) Cis / cisgênero: Indivíduo que vive de acordo com o gênero designado ao nascimento.
(2) Trans / transexual: Indivíduo que possui uma identidade de gênero diferente da designada no nascimento.
(3) Cistema: Sistema regido por pessoas cisgêneras.
Cada escrevivência mais linda que a outra. Parabéns rapazes,vocês merecem todo o meu carinho e respeito.
“Minha luta é pelo direito de existir”… Eis uma luta em que, a cada batalha que se ganha, a conquista se espalha para além das fronteiras de si. E, nessa luta, não é possível haver perdedores. Falo isso do alto do meu privilégio de homem cis branco. Mas que sabe que a opressão da alteridade que eu não sou não me faz mais forte nem mais livre do que seria com o êxito da luta pelo fim de todas as opressões. Porque sem o atravessamento do Outro, serei sempre menos…
Forte abraço!